quinta-feira, 26 de junho de 2014

A incrível geração de gente que tem a mesma mentalidade dos anos 20, mas hoje tem smartphone.

Em menos de uma semana uma cachoeira de chorume invadiu as redes sociais buscando basicamente encontrar razões para entender por que as mulheres continuam solteiras.
A culpa é sempre do outro. Ou sempre da gente. Sempre tem culpa. E há culpa por não ter relacionamento! Há culpa por não ter relacionamento?

E aí surge um, outro, mais um e mais outro texto escrito por uma mulher sobre mulheres independentes que – talvez só as autoras não tenham percebido – falam de como dependem totalmente de "desencalhar" pra se sentirem completas.

(Não acho justo tratar somente como mulheres, visto que os homens querem tanto quanto ou mais. A questão de tratar o relacionamento como prêmio, benção ou dádiva não é mérito somente delas. E você, amiguinho homem que acha que estou falando bobagem, tem como dever de casa tentar dia a dia ser mais sincero com você mesmo).

Entre tudo isso, a dúvida que tenho é: Será que a gente é tão pouco assim pra considerar como o momento máximo das NOSSAS vidas somente aquele que é dividido com outra pessoa?

Não tem problema nenhum em você querer um relacionamento. Mas também não tem problema nenhum em você NÃO QUERER um. O problema está no fato da sua felicidade DEPENDER disso. Ou em se cobrar a postura segura e convicta de que não precisa de relacionamento para ser feliz.
E aí fala-se tanto em como os relacionamentos são descartáveis em tempos de Tinder, na geração de pessoas assim ou assado, etc. Será que não tem nada, nadinha a ver com o fato de colocarmos os relacionamentos num pedestal? No fato de considerarmos que a responsabilidade da nossa felicidade está na mão de outra pessoa? De sermos inseguros (e considerarmos essa insegurança como desvirtude) a ponto de tentar preencher esse espaço com alguém que “nos completa”? Será que a gente realmente considerava melhor no tempo em que as pessoas casavam por convenção (ou obrigação) e tinham que permanecer casados até o final da vida porque a cultura da época era essa? “Ah, mas meu avô...” Seu avô e sua avó talvez fossem uma exceção. Quantos outros casais da época tem todo esse relato de felicidade? “Ah, mas no tempo da minha avó as pessoas se esforçavam mais...”. Sim, visto não tinham outra opção. E também toleravam traições constantes, se desgastavam mais e tinham uma vida frustrada e infeliz.

Os tempos são outros. As pessoas tem outros parâmetros, outros interesses. E – graças a Deus – Existe liberdade pra gente não ter que ficar onde a gente não quer ficar. Não existe receita pra duas pessoas darem certo pro resto da vida. Se existisse, não tinha mais gente solteira no mundo. Ou teria, vai saber...

Deixa rolar, gente. Se gostem. Se curtam. Curtam a própria companhia. Se amem. É clichê? É. Mas o que na vida não é?

E mais: quem foi que disse que a gente tem que saber tudo e ser sempre seguro de si? A gente erra, se frustra e isso não mata ninguém.

Cada fase da vida é única e o que mata mesmo é quando a gente não sabe se respeitar, respeitar cada uma delas e principalmente respeitar a própria história. A gente é o somatório de muita coisa pra ficar bitolado em uma única situação.

Estar apaixonado é ótimo. Ser correspondido então, nem se fala. Estar com quem a gente ama não tem preço. Mas considerar isso como “TUDO” é desconsiderar a nossa própria capacidade de ser mais do que um eterno adolescente desesperado e despreparado para a vida.

Tenho medos? Muitos. E tomara que eu os tenha por toda a vida.

Gosto de alguém? Sim, muito!

Dói quando a gente não é correspondido? Sim.

Vou morrer? Sim. Um dia todo mundo vai, mas não vai ser por causa de um amor não correspondido.

Eu entendo muito bem o quanto isso mexe com a gente, o quanto isso nos afeta e pode derrubar. Mas dá pra reagir diferente. Aliás, aprender a reagir de forma menos adolescente às coisas é uma das dádivas que o tempo nos traz. A gente fica menos imediatista, mais paciente, mais sereno...

A verdade é que a gente é criado com a mentalidade da dualidade. De que só existe bom e ruim. De que ou é preto ou é branco. De que número par é a lei. De que o Romeu era a alma gêmea da Julieta. De que temos almas gêmeas e somos metades. Mas, e se você juntar metade de um quadrado e metade de um círculo, que figura forma?

Algumas vezes, duas metades não são nada além do que duas metades.


domingo, 1 de junho de 2014

Sobre cotas, racismo e carrinhos de picolé




Há algum tempo, contei o resumo de uma história no Facebook sobre uma pessoa que conheci. Hoje, vendo ser repetidamente levantada a bandeira do preconceito disfarçada de luta por igualdade por parte daqueles que nunca sofreram nem um tipo de discriminação, resolvi voltar a essa história.
Por diversas razões, não vou utilizar o nome verdadeiro dessa pessoa, portanto, vamos chamá-la de Maria.

Pois bem, claquete:

Maria é uma mulher negra de 42 anos que trabalha como faxineira (não busquei outro termo propositalmente, pois não vejo vergonha alguma ganhar a vida com tal trabalho, portanto, dispensa-se o eufemismo). Com 8 filhos e 4 netos, Maria sempre sonhou com uma família grande, já que a sua mãe  (também faxineira) teve muitos filhos e que sua infância pobre teve momentos tão bons ao lado de tantos irmãos. Maria teve 4 casamentos e um dos seus ex maridos estava preso por ter violentado uma das filhas.
Maria conta que sua filha mais velha começou a se envolver com drogas muito cedo e que por isso teve de ir buscá-la na delegacia por diversas vezes. Sentiu-se aliviada quando esta engravidou aos 14 anos, pois assim ficaria mais em casa para cuidar do filho, criaria juízo. E em toda essa história contada sorrindo, Maria diz que a sua única tristeza era buscar a filha na delegacia, pois para chegar lá era preciso subir uma ladeira muito íngreme, o que cansava muito.
A filha criou juízo, começou a trabalhar também como faxineira e largou a escola, já que nada do que aprendia lá era útil em sua profissão.

Corta.

Quando eu era pequeno, meu irmão mais velho tinha uma diversão absurda em pentelhar a mim e a minha irmã, assim como a maioria dos irmãos mais velhos faz. Lembro de uma vez em que ele disse que quando eu crescesse mais um pouco, nossos mais me mandariam vender picolé, com aquele carrinho e apito característicos que passa nas ruas de algumas cidades. Lembro que eu chorei muito ao ouvir isso. 

Mas por que uma criança chora ao pensar que o seu futuro seria vender picolé de carrinho na rua? Que sabe uma criança pra saber se isso é bom ou ruim?
De fato, eu não sabia o que tinha de errado em fazer tal trabalho, mas conhecia quem trabalhava vendendo picolé de carrinho na rua e eu definitivamente não queria ser um deles porque quem trabalhava vendendo picolé de carrinho na rua era justamente o pessoal que eu não gostava e que não gostava de mim na escola. Negros. Pobres. De vilas tidas como violentas. Frequentadores assíduos da diretoria. Eu não sabia muito o que representava cada uma dessas coisas, mas ir pra diretoria era algo que eu definitivamente não queria.
Mas o que a história da Maria, os meninos que não gostavam de mim e eu temos em comum? Os parâmetros. Por causa dos parâmetros que ela, os meninos que não gostavam de mim e eu recebemos, nós somos o que somos hoje. Não é unicamente uma questão de escolha, de busca e esforço como a nossa linda e justa sociedade meritocrática prega.
A linha de partida não é a mesma para todos. Por mais que eu tenha começado a trabalhar muito cedo também, tenha tido uma vida que sempre exigiu que eu batalhasse e buscasse oportunidades pra poder estudar e trabalhar, nem de longe a minha história se equipara com a de alguém como Maria. A realidade que alguém constrói para si é completamente dependente da realidade que conhece quando criança, enquanto os seus valores, conceitos e parâmetros são formados. Forma-se uma visão do futuro baseado-se em tudo isso. O ser humano prega que o importante é ser feliz e a felicidade é facilmente confundida com satisfação. As pessoas vivem - em sua maioria - insatisfeitas, porém felizes. E porque alguém vai buscar algo além do que o que fez os seus pais ou suas pessoas referenciais felizes?
Mas ai eu vejo o pessoal criticando o sistema de cotas, o bolsa-família e outros programas de assistência social com tanta propriedade quanto eu sobre regras do futebol. A parte engraçada é que a maioria do pessoal que diz que "é só no Brasil" nunca viajou pra outro país. Assim como a maioria do pessoal que diz que "pobre faz bastante filho pra garantir o bolsa-família" (acreditem, já ouvi isso) não faz ideia de como o benefício funciona. E assim como todos que criticam tudo isso adoram fazer um "acordo" com o patrão pra poder sacar fundo de garantia e seguro-desemprego, que também são benefícios sociais, caso não saibam. Mas como benefício social só é errado quando é para os outros...
Outro dia vi na no Facebook de uma amiga, um sujeito falando que já que existem cotas para negros, deveria existir cotas para descendentes de alemães e italianos, já que vieram preencher essa "lacuna".
Escravidão não é, nem deveria ter sido um mercado, pra início de conversa. Outro ponto é que os descendentes de alemães e italianos (aos quais minha família faz parte, inclusive), nunca foram obrigados a sair de seus países e virem para o Brasil. Em muitos casos foram enganados? Sim, mas nunca tratados como mercadorias, tampouco chibatados por qualquer razão. Outrossim, quantas famílias descendentes de escravos você conhece que hoje tem uma condição financeira razoavelmente boa? Fazendo um comparativo com as famílias descendentes de alemães e italianos, lhe parece algo justo? Lhe parece que o preconceito foi esquecido? Lhe parece que é um problema histórico que só está no passado e não reflete a realidade atual, onde 50,7% da população se declara negra?


O sistema de cotas, tanto em instituições de ensino superior, quanto em concursos públicos, visa cumprir o papel social de mostrar que existe espaço pra todos. Que não é porque uma pessoa é parda ou negra que ela não pode fazer algo. É pra que pessoas como a Maria ou seus filhos vejam que é possível vislumbrar uma realidade diferente.
O absurdo está em ainda precisarmos disso. Em ainda haver preconceito. Em alguém ainda pensar que não pode ser qualquer coisa porque a sociedade não aceita.
O busílis é que qualquer benefício social deveria ser provisório e outras medidas deveriam ser tomadas para que realmente fossem alternativas paliativas e não de forma permanente ou eleitoreira.
Permitir o empoderamento da população parda e negra é mais do que uma reparação aos fatos históricos. É passo fundamental para uma maior igualdade socioeconômica.
Volto a dizer: não é por conta de alguns casos que você conhece de negros bem sucedidos que não existe racismo. E definitivamente, não será uma hashtag e uma foto comendo banana que vai acabar com ele.
E um conselho: conheçam outras realidades. Saiam de suas confortáveis bolhas antes de falar que todos são iguais, porque a caminhada rumo a igualdade ainda está só começando.