O
problema não está em tudo o que falam ou na nossa interpretação das coisas, mas
sim em tudo o que não falam e consideramos inexistente ou irrelevante. Ninguém
fala por quê acha tão boas as roupas com um jacarezinho
na etiqueta, mas compra mesmo assim. Ninguém fala por quê acha tão legal deixar
aparecer o jacarezinho da camiseta na
foto, mas deixa mesmo assim. Ninguém fala por quê acha vergonhosa a música
brasileira - com suas letras “provocativas e sem conteúdo” -, escuta música em
inglês com letras piores e na maioria das vezes nem entende o que estão
dizendo, mas escuta mesmo assim. Ninguém fala por quê é melhor comprar uma casa
enorme com piscina e garagem para 4 carros, se você mora sozinho e tem apenas
um, mas você compra mesmo assim. Ninguém fala por quê a sua empregada é negra,
a filha dela é negra e também é empregada. Assim como ninguém fala que ambas
largaram os estudos porque nada do que aprendiam era “útil em seu trabalho”. Aliás,
ninguém fala sobre estruturas sociais que se repetem - hereditariamente ou não
- em função do preconceito repetido e ideias preconcebidas, afinal temos um
negro como Presidente do STF, um gay como Deputado Federal e uma mulher como Presidente
da República, logo, não existe preconceito, não é mesmo? (Não, não é!)
Com
certeza te contaram como a sua família ganhou dinheiro ou se mantém, mas
ninguém explicou por que a família que mora a três quadras só tem dinheiro pra
comer dia sim, dia não. Ninguém explica
que qualidade de vida e poder de compra são coisas absolutamente diferentes.
Ninguém ensina que moradia, saúde, educação e alimentação não são privilégios e
sim direitos básicos. Inclusive de quem você não gosta ou não conhece. A todo o
momento te bombardeiam com toda a informação possível do que você PRECISA ser e
principalmente, do que precisa CONSUMIR para ser, gerando assim os parâmetros
que nos fazem crer que o que nos faz feliz está atrelado a adquirir, possuir,
consumir e ostentar. E nenhuma dessas coisas que ninguém explica são mitos tão
grandes quanto o mistério (machista e hipócrita) que envolve o que Maria-Chiquinha
foi fazer no mato, tem até na internet. E por falar em internet...
Outro
dia vi um artigo do Dr. Dráuzio Varella com o seguinte título: “Água com quiabo
não cura diabetes”. Não me dei ao trabalho de ler mais do que o parágrafo onde
o médico justificava que havia escrito aquele artigo em função do número
crescente de compartilhamentos dessa informação na internet e por consequência
várias pessoas terem PARADO DE TOMAR SEUS MEDICAMENTOS, investindo assim no
tratamento de “água com quiabo”. Quando minha mãe teve câncer de mama, lembro
que uma vizinha – senhora, matuta, de seus oitenta e poucos anos, mãe de uns
doze filhos – a mandou tomar creolina todos os dias, durante um mês, que
ficaria curada. Até entendo que uma senhora, matuta, de seus oitenta e tantos anos
e mãe de uns doze filhos dê esse tipo de conselho, visto que esse é o seu
parâmetro, o seu conhecimento, aquilo que acha bom e correto, mas realmente não
entendo milhares de internautas, ou seja, pessoas que acessam a internet
diariamente e – teoricamente – tem capacidade de pesquisar um mundo de
informações, compartilhar uma lenda urbana que afeta diretamente a saúde de
outras pessoas. Mas aí estamos falando de bom senso e discernimento, coisas que
não são o nosso forte.
Possivelmente
essa falta de discernimento seja o principal motivo de não compreendermos
também porque continuamos comprando a camiseta do jacarezinho, tirando fotos na piscina de casa e do combinado de
sushi porque isso é cool, agrega valor, ostenta e causa recalque, sem entender que somos
tão limitados quanto a senhorinha matuta que indica creolina pra curar o câncer
da vizinha. Mas uma coisa é certa: a senhorinha matuta, de oitenta e poucos
anos e mãe de uns doze filhos com certeza sabe o que a Maria-Chiquinha do
título do texto foi fazer no mato.