terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O que Maria-Chiquinha foi fazer no mato

O problema não está em tudo o que falam ou na nossa interpretação das coisas, mas sim em tudo o que não falam e consideramos inexistente ou irrelevante. Ninguém fala por quê acha tão boas as roupas com um jacarezinho na etiqueta, mas compra mesmo assim. Ninguém fala por quê acha tão legal deixar aparecer o jacarezinho da camiseta na foto, mas deixa mesmo assim. Ninguém fala por quê acha vergonhosa a música brasileira - com suas letras “provocativas e sem conteúdo” -, escuta música em inglês com letras piores e na maioria das vezes nem entende o que estão dizendo, mas escuta mesmo assim. Ninguém fala por quê é melhor comprar uma casa enorme com piscina e garagem para 4 carros, se você mora sozinho e tem apenas um, mas você compra mesmo assim. Ninguém fala por quê a sua empregada é negra, a filha dela é negra e também é empregada. Assim como ninguém fala que ambas largaram os estudos porque nada do que aprendiam era “útil em seu trabalho”. Aliás, ninguém fala sobre estruturas sociais que se repetem - hereditariamente ou não - em função do preconceito repetido e ideias preconcebidas, afinal temos um negro como Presidente do STF, um gay como Deputado Federal e uma mulher como Presidente da República, logo, não existe preconceito, não é mesmo? (Não, não é!)
Com certeza te contaram como a sua família ganhou dinheiro ou se mantém, mas ninguém explicou por que a família que mora a três quadras só tem dinheiro pra comer dia sim, dia não.  Ninguém explica que qualidade de vida e poder de compra são coisas absolutamente diferentes. Ninguém ensina que moradia, saúde, educação e alimentação não são privilégios e sim direitos básicos. Inclusive de quem você não gosta ou não conhece. A todo o momento te bombardeiam com toda a informação possível do que você PRECISA ser e principalmente, do que precisa CONSUMIR para ser, gerando assim os parâmetros que nos fazem crer que o que nos faz feliz está atrelado a adquirir, possuir, consumir e ostentar. E nenhuma dessas coisas que ninguém explica são mitos tão grandes quanto o mistério (machista e hipócrita) que envolve o que Maria-Chiquinha foi fazer no mato, tem até na internet. E por falar em internet...
Outro dia vi um artigo do Dr. Dráuzio Varella com o seguinte título: “Água com quiabo não cura diabetes”. Não me dei ao trabalho de ler mais do que o parágrafo onde o médico justificava que havia escrito aquele artigo em função do número crescente de compartilhamentos dessa informação na internet e por consequência várias pessoas terem PARADO DE TOMAR SEUS MEDICAMENTOS, investindo assim no tratamento de “água com quiabo”. Quando minha mãe teve câncer de mama, lembro que uma vizinha – senhora, matuta, de seus oitenta e poucos anos, mãe de uns doze filhos – a mandou tomar creolina todos os dias, durante um mês, que ficaria curada. Até entendo que uma senhora, matuta, de seus oitenta e tantos anos e mãe de uns doze filhos dê esse tipo de conselho, visto que esse é o seu parâmetro, o seu conhecimento, aquilo que acha bom e correto, mas realmente não entendo milhares de internautas, ou seja, pessoas que acessam a internet diariamente e – teoricamente – tem capacidade de pesquisar um mundo de informações, compartilhar uma lenda urbana que afeta diretamente a saúde de outras pessoas. Mas aí estamos falando de bom senso e discernimento, coisas que não são o nosso forte.

Possivelmente essa falta de discernimento seja o principal motivo de não compreendermos também porque continuamos comprando a camiseta do jacarezinho, tirando fotos na piscina de casa e do combinado de sushi porque isso é cool, agrega valor, ostenta e causa recalque, sem entender que somos tão limitados quanto a senhorinha matuta que indica creolina pra curar o câncer da vizinha. Mas uma coisa é certa: a senhorinha matuta, de oitenta e poucos anos e mãe de uns doze filhos com certeza sabe o que a Maria-Chiquinha do título do texto foi fazer no mato.