quinta-feira, 17 de outubro de 2013

É uma coisa normal, é só uma brincadeira e eu tenho até amigos que fazem!



Tenho pensado nas formas sutis em que o preconceito se apresenta. Sutis e perigosas. Sutis porque são coisas que fazem parte do cotidiano. Perigosas pelo mesmo motivo. Porque chamar aquele seu amigo de “veado” em tom pejorativo é algo normal, é só uma brincadeira, não quer dizer que você considere a homossexualidade como uma condição inferior a sua de heterossexual, nem que você pense que ser gay é ofensa ou motivo de vergonha. Afinal você não tem nada contra os gays, tem até amigos que são e... De boa! Porque dizer que algo feito errado ou mal feito é uma “negragem” ou “serviço de preto” é algo normal, é só uma brincadeira, não quer dizer que você pense que todos os negros tem capacidade inferior a sua de homem (ou mulher) branco (a) que até fez faculdade e nem precisou de sistema de cotas. Até porque, você não tem nada contra os negros, tem até amigos que são e... De boa! Porque ver uma “barbeiragem” no trânsito e afirmar “Só pode ser mulher!” é algo normal, é só uma brincadeira, não quer dizer que você seja machista e ainda diga por aí “que mulher sua não anda de saia curta, porque é vulgar” ou algo do tipo. Aliás, o fato de você usar a expressão “mulher minha” também é algo normal, é só uma brincadeira, não quer dizer que você pense que sua esposa, namorada, noiva ou amante seja propriedade sua e nem que você seja um babaca que não entenda que ela tem cérebro, personalidade e vida própria. Até porque se você for esse babaca, provavelmente ela realmente não tenha nenhum dos itens anteriores e por isso continue com você. Mas você não tem nada contra os caras que ~deixam~ as mulheres usarem saia curta, tem até amigos que deixam e... De boa! Porque falar mal daquela sua amiga “gorda”, dizendo que ela está “gorda” como se chamar de “gorda” fosse algo ofensivo, é algo normal, é só uma brincadeira, não quer dizer que você seja fútil, superficial e tenha parâmetros extremamente limitados quanto às pessoas. E você não tem nada contra as gordas, tem até amigas que são e... De boa!
E não há nenhum problema no fato de você não concordar com nada do que eu escrevi, porque provavelmente você acha tudo normal, afinal ~são só brincadeiras~ que você faz vez ou outra e além do mais, você é tão generoso, bondoso e despido de preconceitos que ATÉ se permite ter amigos diferentes de você. Obviamente que a sua discordância das situações acima não fazem de você homofóbico e/ou machista e/ou babaca e/ou fútil, mas talvez queira dizer, que você precise rever alguns conceitos sobre respeito às diferenças e entender que você é tão diferente dos outros quanto os outros são de você. E mesmo que você seja algum dos sujeitos citados acima... Bom, eu não tenho nada contra, tenho até amigos que são e... De boa!

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobre humildade e rinite alérgica



Um dos momentos que mais me lembra do quanto eu sou (e sempre fui) metido a achar que ~ posso tudo / controlo tudo / posso aprender tudo ~ é a reação da minha mãe, quando eu pedi um violão de presente de aniversário. Aliás, o que realmente lembra essa característica é a resposta que dei a ela:
- O que você quer de aniversário, filho?
- Eu quero um violão, mãe!
- Mas você nem sabe tocar, pra que você quer um violão?
E não, minha resposta não foi: “Justamente, pra aprender a tocar eu preciso de um violão!”.
A resposta foi:
- “Porque eu VOU aprender a tocar, ora!”.
Obviamente, desde cedo a minha vocação para ser alguém muito humilde era visível.
Eu tinha absoluta certeza de que eu aprenderia e não era uma questão de ter um professor e diversas aulas, eu simplesmente aprenderia! E foi assim que aconteceu. Sem aulas, sem professores. Somente eu, o violão, algumas dicas de amigos e as revistinhas de cifras que ensinavam as músicas mais tocadas do momento e de quebra, provocavam ataques de espirros devido ao cheiro característico de antiguidade que as acompanhava mesmo quando novas. Aos poucos fui aprendendo acordes, ritmos e entre um espirro e outro aprendi a primeira música inteira, a qual eu tocava repetidas vezes até o dia em que meu pai entrou no quarto e sutilmente perguntou:
- “Cara, tu só sabe tocar essa música? É sempre a mesma coisa!”.
Nesse momento eu tive três grandes aprendizados: 1 – Você só sabe alguma coisa quando se propõe a continuar aprendendo sobre ela. 2 - É importante não se conformar com as conquistas, porque cada passo dado é somente um passo a mais e quando aprender é o objetivo principal, então não existe ponto de chegada. 3 – as paredes da minha casa eram realmente muito finas e dava pra ouvir tudo que se fazia de um cômodo para o outro. Sem sombra de dúvidas, a última foi a mais útil nos anos seguintes.
Pois bem, continuei aprendendo outras músicas, com novas revistinhas de cheiro característico (pra não dizer fedidas) e os mesmos espirros. Depois de um tempo, aderimos à internet (sim, meus jovens, houve um tempo em que as pessoas viviam sem internet) e o repertório aumentou significativamente. A parte triste é que os espirros persistiam, devido à rinite alérgica que me acompanha desde sempre e que não vai embora nem comigo mandando repetidas vezes. O que me leva a pensar que talvez eu realmente não possa controlar tudo.
Ilusões a parte, hoje tenho plena consciência de que não consigo abraçar o mundo, muito menos ter controle sobre coisa alguma nessa vida. Mas a rinite alérgica – essa danada – um dia, ainda há de me escutar!