quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Espelho, espelho meu - Rugas e outros clichês


Outro dia, passando por um aeroporto qualquer, enquanto aguardava a chamada do meu voo, parei alguns instantes para observar uma senhora que passava. Com marcas fortes de uma expressão que parecia continuamente carrancuda, a senhora caminhava em direção ao seu portão de embarque mantendo a mesma expressão sisuda e desgostosa. Continuei observando. Ela estava acompanhada de um rapaz, pouco mais jovem que vez ou outra trocava algumas palavras com ela. A face permanecia igual, inclusive durante os breves diálogos.
A expressão indignada faz parte dos aeroportos. Diria inclusive que, se os aeroportos tivessem uma cara, com certeza seria a dessa senhora. Mas, problemas de logística e desorganização a parte, voltemos ao assunto principal.
Rugas de expressão resultam de repetidas contrações dos músculos faciais que fazemos quando externamos de alguma forma as nossas sensações e sentimentos. As linhas paralelas entre as sobrancelhas resultantes de um cenho franzido com frequência, devido à preocupação, os pés-de-galinha consequentes do riso largo que chega a fechar um pouco os olhos, as linhas horizontais na testa provenientes da expressão de espanto... De qualquer modo, caras e bocas fazem parte das nossas reações. Como a épica entortada de boca de Meryl Streep em “O Diabo Veste Prada”.  Marcas visíveis das nossas reações que nos tornam caricaturas ambulantes de nós mesmos.
A cada dia surgem mais e mais produtos de beleza que tentam disfarçar esses sinais. Houve um tempo em que essas linhas tinham produtos apenas para usuários com mais de quarenta ou cinquenta anos. Hoje temos produtos que proporcionam cuidados desde a adolescência (ou antes) pra evitar essas marcas. E sem sombra de dúvidas é um cuidado válido, visto que vaidade não é nem nunca foi desvirtude, tampouco sinônimo de futilidade. O grande problema é que nos preocupamos com evitar ou “corrigir” apenas as marcas externas. E então temos uma geração de vinte e poucos com cara de trinta e poucos, manias de quarenta e poucos e marcas de oitenta e poucos. Seria esse o resultado de cosméticos ineficientes ou reações inadequadas ao que nos acontece?
 “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” – dizia a Rainha. E o maldito espelho nunca respondia: “Procure ajuda psicológica e resolva isso, moça!”.  A Rainha Má, a Branca de Neve, o príncipe e quiçá os anões (travestidos de Gretchen ou não – entenda em: http://www.tiagogiacomoni.blogspot.com.br/2013/11/algumas-perguntas-sobre-sexo.html) seriam muito mais felizes, fosse para sempre ou não.
As marcas mais profundas que temos não são visíveis. São observáveis apenas no nosso comportamento e para estas não existem cosméticos, tratamentos a laser ou soluções mágicas que em um determinado prazo fazem desaparecer. Algumas delas simplesmente nunca se apagam, acompanhando o nosso reflexo no espelho pra sempre. Mas talvez (sempre ele) o “felizes para sempre” comece com a gente mesmo, quando aceitamos as nossas marcas internas e externas, enxergando a beleza no próprio reflexo, aceitando que elas, afinal, contam a nossa história e a felicidade esteja nas coisas mais simples, desde comprar um creme rejuvenescedor a aprender sobre si mesmo observando as pessoas em um aeroporto qualquer.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Pudins, paixões e Frank Sinatra

Uma antiga paixão. O vi no almoço e fiquei em dúvida. Não por qualquer pudor ou medo, mas sim pela falta de tempo, devido a agenda cheia em uma tarde chuvosa. A noite, retornei ao mesmo restaurante, dessa vez, ao fundo se ouvia uma sedutora melodia. Era Frank Sinatra. Novamente vi a sugestão e dessa vez não resisti. Pedi um pudim. Tenho uma longa história com pudins por todo o Brasil, mas nunca tive um momento parecido. E não foi pelo pudim em si, já comi pudins melhores. Mas com a chuva do lado de fora batendo contra a vidraça do restaurante, com um ou dois drinques, em um hotel distante de casa, eu flertei com um pudim. E fui correspondido. Terminei a noite me deliciando com ele e me deliciei vagarosamente, como se cada pedaço fosse digno de uma prece. Talvez fosse a chuva, talvez a noite, talvez o flerte. Com certeza o flerte. Se eu tivesse resolvido comer o pudim atendendo somente ao instinto, não seria tão gostoso. O flerte é que fez a diferença. O flerte sempre faz a diferença. E por incrível que pareça, eu realmente estou falando apenas de um pudim até agora. Porque as paixões não precisam de definição, de motivos, de explicações, de cobranças, de momentos certos. Precisam apenas de um desejo e do objeto desse desejo. Já os pudins...
Reza a lenda que o pudim foi inventado por um religioso português, que se negava a dar a receita de sua criação e que a mesma receita só foi revelada após a sua morte. Outra lenda diz que foi criado devido a um erro de ingredientes. Comprova-se assim, historicamente, o quanto alguns erros são absolutamente deliciosos.
O mundo precisa de mais desejo, mais trocas de olhares ao som de Frank Sinatra, mais sorrisos incontidos, mais “encostadas” de mão acidentais, mais encontros inesperados, mais “frio na barriga” e mais, muito mais flertes. Ah sim, e mais pudins também.
Se tivesse que definir a paixão em uma única palavra, essa palavra seria: prazer. O prazer de fechar os olhos e saborear de forma quase obscena um pudim, um momento ou outra pessoa.

É absolutamente incrível o que um pudim ou uma paixão fazem na vida das pessoas. E por essas e outras são sempre os meus preferidos. Os pudins e as paixões.