segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Cozinharam o romantismo no micro-ondas

O romantismo morreu e a culpa é do micro-ondas. Só pode. Eu sempre desconfiei. Aliás, com exceção dos aparelhos de ar condicionado e algumas outras coisas que não vem ao caso agora, eu desconfio totalmente de tudo que promete resultado imediato ou em curtíssimo prazo. 

Entre as lembranças culinário-amorosas que eu tenho de quando eu era criança, estão: 1 - O épico beijo dos cachorrinhos comendo macarrão com almôndegas em “A dama e o vagabundo”. 2 - O caderno de receitas de capa vermelha da minha mãe, já bem velho e com poucas folhas (algumas inclusive com desenhos meus). 3 – A pequena horta que minha avó pacientemente cultivava nos fundos de casa com alguns temperos e chás, para usar sempre que fosse necessário.
Com o passar do tempo, o caderno de receitas se perdeu em alguma das nossas mudanças e a horta passou a não ser uma prioridade. (E nesse momento acabo de me dar conta que já faz tempo demais que não como macarrão com almôndegas, o que é um erro terrível, mas que ei de consertar ainda essa semana, em nome das memórias da infância).
O fato é que ninguém mais perde tempo pesquisando ou cultivando temperos. O prazer de lavar, cortar, cozinhar e brincar com sabores e aromas se perdeu. Vem tudo num saquinho ou num tablete que dissolve e você já sabe exatamente que gosto vai ter. E ao que parece, vem acontecendo o mesmo com as nossas relações. SAZONizaram o amor e KNORizaram a paixão. É abrir o saquinho, jogar a medida certa e as pessoas começam a namorar, por exemplo. 
Pede-se tudo em casa e com um mínimo esforço tudo chega à sua porta: comida, remédios, ferramentas, sexo... O que não quer dizer que seja ruim, depende daquilo que se busca. Tampouco que eu seja totalmente contra, inclusive. Vez ou outra é bom não ter que lidar com a complexidade de uma receita de família, do trânsito caótico ou da ameaça iminente de dar tudo errado em um primeiro-encontro. O problema é que estamos encarando tudo como complexo e desenvolvendo aversão a complexidade.
Temos cardápios pra todas as ocasiões. Basta ter o aplicativo certo. E como estamos frequentemente famintos e sem tempo, pedimos o que vier mais rápido. E por inúmeras vezes acontece a mais famosa das frustrações do mundo do fast food, no melhor estilo “na foto era diferente”. Na foto, no pensamento, no comportamento, nas convicções. Não era bem isso que você tinha em mente, mas a fome é tanta...
O romantismo é uma receita bem diferente dessas coisas com “gosto de pronto” e pode dar certo, como pode também não dar em nada. Há uma grande chance de dar muito errado, inclusive. Mas como em qualquer receita, é uma questão de experimentar, rever a medida dos ingredientes e arriscar com muita paciência e pouca ou nenhuma pressa. Já temos pressa pra tantas outras coisas na vida.

É preciso mais originalidade. É preciso mais espontaneidade. É preciso provocar no outro a vontade de descobrir. E é preciso, acima de tudo, aquele beijo de cinema consequente do mesmo fio de macarrão. Que com certeza não foi feito no micro-ondas. 




terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Omissão e preconceito

Primeiro, vamos deixar claro uma coisa: o limite entre ter preconceito ou não, não está diretamente relacionado a agredir ou não fisicamente aquilo que você não tolera.
Só porque você não espanca gays, negros, pobres ou qualquer outro grupo que vá contra as suas crenças ou ideias não quer dizer que você não seja preconceituoso e sim que é uma pessoa civilizada, o que já é alguma coisa nos dias de hoje, mas que – nem de longe – te faz a pessoa mais tolerante do mundo.
Só porque você só assovia, chama de vadia gostosa e diz que “tá pedindo”, mas não estupra mulher que usa saia curta não quer dizer que você entenda completamente que o corpo é dela, que ela tem o direito de usar o que quiser e que o problema não está nas roupas dela e sim na sua mente pervertida que ainda pensa que ela é objeto, está abaixo de você e que tem que “se dar ao respeito” se não quiser ser chamada assim.
Só porque você preferiu fazer uma piada baixinha com o amigo do lado ao invés de tirar foto de alguém vestido de forma simples no aeroporto e postar com a legenda “rodoviária ou aeroporto?” não quer dizer que você seja um especialista em igualdade social.
Conceitos de bem e mal a parte... Não fazer o mal não é sinônimo de fazer o bem. Entre fazer o bem e fazer o mal ainda existe o não fazer nada que implica diretamente em não falar no assunto, não discutir, não questionar e manter as nossas convenções como estão, cada um no seu quadradinho, reforçando a lógica do “eu não tenho nada contra desde que não venha pro meu lado”, o que também não significa não ter preconceito. Aliás, sempre que você fizer qualquer comentário que comece com “Eu não tenho nada contra, desde que...” já tem uma enorme chance de estar sendo um completo babaca, visto que o problema não está no comportamento dos oprimidos e sim na convicção de superioridade dos opressores. Convicção essa que se reforça no dia a dia de todas as formas possíveis. Das agressões físicas as ~piadinhas inofensivas~. O engraçado é que as ~piadinhas inofensivas~ são sempre pejorativas sobre alguém considerado inferior a condição do interlocutor. Engraçado que até hoje não ouvi nenhuma de um príncipe nórdico dos olhos claros, heterossexual, alto, magro e viril...

Inclusive, outro dia, uma matéria da Folha de São Paulo trouxe algumas “dicas para evitar a violência” que basicamente, consistiam em mudar o comportamento dos agredidos. Logo surgiu um quadro que explicitou melhor o que realmente queriam dizer:




Somos absolutamente preconceituosos, mas o problema não é exatamente esse. O problema é que preferimos continuar sendo analfabetos no que diz respeito a todo tipo de segregação a buscar entender a realidade do outro e compreender que os direitos são iguais, independentemente de cor, religião, orientação sexual, etc. Somos fantoches governados pelos nossos próprios preconceitos, aprisionados na jaula dos nossos parâmetros limitados. Não compreendemos a institucionalidade do preconceito em empresas, movimentos e grupos. Continuamos reforçando a ideia estereotipada de cada grupo oprimido e tratando as situações como se o preconceito não existisse ou como se o agredido sempre “provocasse a agressão” ou com um simples “é foda” acompanhado da troca de canal. Enquanto isso, a omissão continua sendo a forma mais eficaz de deixar tudo como está, permanecendo na nossa confortável poltrona enquanto assistimos horrorizados ao jornal noticiando crimes motivados pelo ódio as diferenças todos os dias, esquecendo que quem não se posiciona, faz tanto mal ou mais do que quem agride.