O romantismo morreu e a culpa é do micro-ondas. Só pode. Eu sempre
desconfiei. Aliás, com exceção dos aparelhos de ar condicionado e algumas
outras coisas que não vem ao caso agora, eu desconfio totalmente de tudo que
promete resultado imediato ou em curtíssimo prazo.
Entre as lembranças culinário-amorosas que eu tenho de quando eu era
criança, estão: 1 - O épico beijo dos cachorrinhos comendo macarrão com
almôndegas em “A dama e o vagabundo”. 2 - O caderno de receitas de capa
vermelha da minha mãe, já bem velho e com poucas folhas (algumas inclusive com
desenhos meus). 3 – A pequena horta que minha avó pacientemente cultivava nos
fundos de casa com alguns temperos e chás, para usar sempre que fosse
necessário.
Com o passar do tempo, o caderno de receitas se perdeu em alguma das
nossas mudanças e a horta passou a não ser uma prioridade. (E nesse momento
acabo de me dar conta que já faz tempo demais que não como macarrão com
almôndegas, o que é um erro terrível, mas que ei de consertar ainda essa
semana, em nome das memórias da infância).
O fato é que ninguém mais perde tempo pesquisando ou cultivando temperos.
O prazer de lavar, cortar, cozinhar e brincar com sabores e aromas se perdeu.
Vem tudo num saquinho ou num tablete que dissolve e você já sabe exatamente que
gosto vai ter. E ao que parece, vem acontecendo o mesmo com as nossas relações.
SAZONizaram o amor e KNORizaram a paixão.
É abrir o saquinho, jogar a medida certa e as pessoas começam a namorar, por
exemplo.
Pede-se tudo em casa e com um mínimo esforço tudo chega à sua porta:
comida, remédios, ferramentas, sexo... O que não quer dizer que seja ruim,
depende daquilo que se busca. Tampouco que eu seja totalmente contra,
inclusive. Vez ou outra é bom não ter que lidar com a complexidade de uma
receita de família, do trânsito caótico ou da ameaça iminente de dar tudo
errado em um primeiro-encontro. O problema é que estamos encarando tudo como
complexo e desenvolvendo aversão a complexidade.
Temos cardápios pra todas as ocasiões. Basta ter o aplicativo certo. E
como estamos frequentemente famintos e sem tempo, pedimos o que vier mais
rápido. E por inúmeras vezes acontece a mais famosa das frustrações do mundo do
fast food, no melhor estilo “na foto
era diferente”. Na foto, no pensamento, no comportamento, nas convicções. Não
era bem isso que você tinha em mente, mas a fome é tanta...
O romantismo é uma receita bem diferente dessas coisas com “gosto de
pronto” e pode dar certo, como pode também não dar em nada. Há uma grande
chance de dar muito errado, inclusive. Mas como em qualquer receita, é uma
questão de experimentar, rever a medida dos ingredientes e arriscar com muita
paciência e pouca ou nenhuma pressa. Já temos pressa pra tantas outras coisas
na vida.
É preciso mais originalidade. É preciso mais espontaneidade. É preciso provocar
no outro a vontade de descobrir. E é preciso, acima de tudo, aquele beijo de
cinema consequente do mesmo fio de macarrão. Que com certeza não foi feito no
micro-ondas.